Nottingham Guardian - Lançamento de desenho libertário em canal estatal causa polêmica na Argentina

Lançamento de desenho libertário em canal estatal causa polêmica na Argentina
Lançamento de desenho libertário em canal estatal causa polêmica na Argentina / foto: TOMAS CUESTA - AFP/Arquivos

Lançamento de desenho libertário em canal estatal causa polêmica na Argentina

A estreia de uma série de animação que promove o bitcoin, questiona as universidades e critica o papel do Estado está causando polêmica na Argentina, desde que o governo de Javier Milei a incluiu na nova programação do canal estatal infantil Paka Paka.

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A chegada do desenho “Tuttle Twins”, prevista para julho, foi celebrada pelos apoiadores do presidente libertário, mas questionada por seus detratores, que denunciam uma doutrinação.

"Quando o dinheiro é controlado, ele é corrupto", diz um bitcoin falante, ao explicar a teoria de que a criptomoeda é a melhor opção para evitar que os governos emitam cédulas e controlem a inflação.

A série, de origem americana, retrata as aventuras dos gêmeos Tuttle e sua avó, que viajam no tempo para aprender sobre liberalismo e economia ao lado de personagens como os economistas ultraliberais Milton Friedman e Ludwig Von Mises, ambos acadêmicos de cabeceira de Milei.

"É o único desenho animado liberal do mundo (...) Está relacionado aos valores que nós defendemos", afirmou o diretor do Paka Paka, Walter Gómez, em uma entrevista ao canal de streaming governista Carajo. Contactado pela AFP, ele preferiu não se manifestar.

O influenciador libertário Pablo Pazos, conhecido como Gordo Pablo, elogiou a iniciativa. "Muito bem, obrigado, não haverá crianças comunistas", declarou em outro programa do Carajo.

Ao anunciar, em maio, sua nova grade de programação, o Paka Paka garantiu que o conteúdo não terá "orientação ideológica".

Mas críticos afirmam o contrário e responsabilizam Milei, que frequentemente cita alguns dos economistas que aparecem na série. Os cães do presidente, inclusive, têm seus nomes.

Para Valeria Dotro, ex-responsável pelos conteúdos do canal infantil, Tuttle Twins "parece uma provocação, porque é algo muito grosseiro, que não tem narrativa nem lógica que o torne interessante, (...) considero ruim como produto".

"Há uma intenção concreta de transmitir uma ideologia", afirmou à AFP.

- Tuttle Twins -

Em Tuttle Twins, economistas liberais explicam conceitos como inflação, subsídios estatais e planejamento central da economia. Também aparecem personagens como o bilionário Elon Musk e o autor do "Manifesto comunista", Karl Marx, que, ridicularizado, está sempre pedindo dinheiro.

"Todo mundo precisa de comida, água e abrigo para sobreviver, mas precisar disso não lhes dá o direito de ter. Isso ocorre porque você não tem direito ao trabalho do outro", afirma a versão animada do filósofo inglês John Locke (1632-1704), considerado um dos pais do liberalismo.

Outros trechos da série questionam os benefícios da educação universitária. "Há bons programadores no Google, Apple e Microsoft que foram contratados apenas com um curso de três meses", canta um personagem.

Tuttle Twins é baseado nos livros homônimos de Connor Boyack, que também é produtor-executivo da série televisiva e admirador confesso de Milei, a quem incluiu em uma de suas últimas histórias em quadrinhos, "As medalhas ao mérito", como um jovem crítico do socialismo.

Os livros e a série fazem parte do Instituto Libertas, uma fundação cristã com sede em Utah, nos Estados Unidos.

De acordo com a conta no X do programa, o governo argentino está "substituindo desenhos animados literalmente marxistas por uma educação divertida sobre liberdade, economia e direitos individuais".

Mas Cecilia Veleda, doutora em sociologia da educação, discorda.

"Não se pode fazer as crianças reféns em meio a disputas ideológicas de adultos. São obsessões pessoais do presidente traduzidas em conteúdos errôneos, com inverdades, discriminações, ataques", declarou ao jornal argentino La Nación.

O peronismo, atualmente a principal força política de oposição na Argentina, estava no poder quando o Paka Paka foi criado em 2010, durante o mandato da ex-presidente Cristina Kirchner (2007-2015). Na época, segundo o governo de Milei, o conteúdo do canal estatal infantil era altamente ideologizado.

"Todos temos uma visão ideológica, assim como todas as instituições. A de Paka Paka era o protagonismo das crianças, a perspectiva de direitos, a nação, a educação, a diversidade, etc", disse Dotro.

D.Gallaugher--NG